sábado, 12 de fevereiro de 2011

As Glórias de Kharkov

Existe uma maneira muito particular de os ucranianos classificarem suas cidades em nível de importância. Se determinada urbe possui uma estátua do Lênin, ela é importante, dizem. Do contrário, ela não passa de uma cidadela qualquer. A Ucrânia abriga centenas de cidades importantes, e Kharkov ainda é uma delas. Ademais de o líder-mor bolchevique se levantar imponente e pedregoso na praça central, Kharkov é o maior centro industrial, universitário e cultural de toda Ucrânia.
Comparando as certidões de nascimento dos ajuntamentos urbanos europeus, podemos dizer que Kharkov é uma mocinha de trezentos e cinqüenta anos. Logo após o golpe bolchevique, Kharkov foi nomeada capital ucraniana vermelha de 1919 até 1934. A produção industrial local esteve - sob o comando bolchevique - orientada para equipar o aparato de defesa nacional, fazendo-se assim o terceiro maior centro industrial de toda a União Soviética, logo atrás de Moscou e Leningrado (São Petersburgo). Aqui estão situados alguns gigantes da indústria armamentista, como a Malyshev Factory , uma antiga fábrica de locomotivas readaptada em 1928 para o fabrico de tanques de guerra, como o legendário T-34, o panzer mais produzido durante a grande guerra. Também estão a Morozov Design Bureau (que trabalha conjuntamente com a Malyshev), a fábrica de turbinas Turboatom e a famosa Khartron, que entre outros “spacecrafts”, produziu sistemas de controle para mísseis (SS-18, SS-19) e atualmente fabrica módulos de carga para a Estação Espacial Internacional.
 O rayon de Kharkov foi cenário de quatro batalhas durante a segunda grande guerra. Pouco antes da primeira ocupação nazista, a fábrica de tanques foi evacuada pelos soviéticos para os montes Urais, onde continuou produzindo a todo vapor, retornando para Kharkov somente após o término do conflito e conseqüente liberação da cidade. Setenta por cento da cidade foi devastada, dizem os livros. Mesmo sem receber as regalias de um Marshall Plan, a cidade logrou reerguer-se, embora pareça haver se detido nos idos de 1970. O colapso da União Soviética foi extremante negativo para a indústria local, pois acabava ali a bonança do orçamento militar voltado para a defesa, o que sustentava as empresas de Kharkov. Desde aquele então a cidade só decaiu. A readaptação destas empresas centrais (todas estatais) para a economia de mercado e produção civil foi muito custosa. Algumas manufaturas fabricadas na Rússia, e necessárias para a produção de tanques, por exemplo, eram impedidas de serem distribuídas em território ucraniano devido ao rechaço russo à independência da Ucrânia em 1991. A partir dos anos 2000, com a questão mais flexibilizada, empresas como a Khartron, lograram ocupar espaço de relativa importância no mercado, e já não mais usam seus sistemas de controle para o lançamento de mísseis balísticos, senão que para o lançamento de satélites comerciais.
Atualmente, Kharkov se desenha da mesma maneira que a maioria das cidades capitalistas de terceiro mundo. Um centro bonito, limpo, e repleto de vitrines oferecendo prazer momentâneo aos escolhidos, e ao redor, um quinhão de pobreza, feito de gente que vive juntando migalhas para comer.
É sobre os lençóis da frustração que se deita a apatia deste povo, ontem proletários de uma potência mundial, ansiosos pelas regalias do mundo livre, hoje nacionais de uma republiqueta corrupta, em grande parte saudosos da grandeza perdida. Tento carregar-me à época de uma Kharkov no seu esplendor, motivada pela produção científica, pela pesquisa acadêmica e por essas lindas, esguias e elegantes mulheres-espiãs, todas possíveis amantes do “James Bond”. Esta cidade já colheu os fumos da glória, hoje lhe resta pouco. Em meio à velharia pública, estagnação econômica, à chatarra administrativa, Kharkov é mais conhecida pela existência de um clube de futebol mediano: o FC. Metalist, time do Táison, ou do “Táizon”, para quem segue as regras gramaticais lauroquadrianas, é o que faz atualmente de Kharkov uma cidade importante.
Mas o que diremos nós em Porto Alegre, que nem sequer temos uma estátua do Lênin?





               

2 comentários:

  1. Interessante analise. Povo sofrido. Agora entendo pq os ucranianos odeiam ser confundidos com russos.

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  2. olha so, tem que escrever mais seguido!!!!!

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