“Todos falam do tempo (clima), nós não”. Assim se pronunciavam os companheiros do Sozialistische Partei Deutschlands (SPD), empenhando-se em deixar claro sua preocupação com o futuro da pátria, para o qual, a melhor doutrina a ser seguida seria o marxismo. Do outro lado da cancha, rebotava a Christliche Demokratische Union (CDU): “Todos os caminhos (formas) do marxismo levam a Moscou”, rechaçando qualquer plataforma socialista baseada em uma experiência autóctone, e que buscasse um caminho alternativo ao da experiência soviética. Mutatis mutandis, o tempo passou e o carrossel já deu muitas voltas. Hoje, nem os vermelhos partidários do ex-chanceler Gerhard Schröder, muito menos os cristãos correligionários da atual chanceler Angela Merkel (conhecidos como Die Schwarzen, ”Os Negros”) ousariam correr o risco de sujar suas gravatas em rinhas ideológicas. Nem há por quê. O marxismo não melindra mais as aspirações do capital livre, portanto, as discussões seguem outra lógica, manifestam novas e velhas aspirações de poder, e se caracterizam por condutas diferenciadas no palco político.
A política alemã possui peculiaridades interessantes, explícitas mais que tudo nos personagens que controlam as salsichas do
Bundestag. Começando pela pessoa número um do gabinete governamental,
Frau Angela Merkel, também conhecida como “TeflonMerkel”, porque nenhuma crítica “gruda” na sua pessoa. Angela Dorothea Kasner, filha de um pastor luterano (talvez óbvio) mais conhecido como o “
Rote Kasner” (Kasner vermelho), que de tão “comunistón”, moveu-se de Hamburg com toda a família para a Alemanha Oriental. Angela Kasner cresceu, graduou-se em física na
Karl-Marx Universität, casou-se e se tornou Angela Merkel, senhora dos mercados, do capital financeiro, e cabeça do maior partido político de toda
Bundesrepublik. Frau Merkel parece não haver escutado nada que o pai falou.
Outro figurão é o senhor vice-chanceler e Aussenminister – equivalente ao nosso Ministro das Relações Exteriores – Guido Westerwelle. Assumidamente gay, Herr Westerwelle, no primeiro dia no cargo, deu um peitaço nos Estados Unidos enviando uma carta que exigia a retirada de todas as armas atômicas estadunidenses estacionadas em santo solo germânico. Seria um disparate dizer que o chefe do Freie Demokratische Partei (FDP), partido identificado como “Os Amarelos”, é o equivalente ao nosso finado Clodovil, que ao meu entender, foi levado à Câmara dos Deputados como uma escolha de protesto. Absolutamente não. Guido Westerwelle goza de total respeito e confiança em seu trabalho por parte dos cidadãos alemães, o que lhe garante integridade física e moral para circular com o seu par romântico. É interessante ressaltar que o FDP é um partido totalmente direitista, ou seja, liberal somente no campo econômico. Portanto, Westerwelle não provém do “Partido das Loucas” ou qualquer agremiação que luta pelos direitos dos homossexuais, isto não está sequer em questão. O ministro construiu sua imagem política baseada tão e somente na plataforma liberal privatizadora, em torno da qual conquistou seu eleitorado. Para completar, o ministro fez uma gira pelo Oriente Próximo e visitou o Irã, um país não muito amigável aos homossexuais, cujo presidente afirma com os pés juntos que o seu país não sofre desta degradante enfermidade ocidental. Alguns piadistas brasileiros pensariam que “credo, um ministro viado ao lado do Ahmadinedjad, tá maluco, vai ser apedrejado”. Capaz. Ninguém sai dando pedradas em homossexuais ricos. Westerwelle voltou ileso pra casa.
A terceira personalidade é o recém abdicado da cadeira de Ministro da Defesa Senhor Karl Theodor Maria Nikolaus Johann Jacob Philipp Franz Joseph Sylvester Freiherr von und zu Guttenberg. Descendente da nobreza franconesa do norte da Bavária, zu Guttenberg teve que retirar-se de seu birô do governo Merkel devido a um escândalo de plágio, onde o “Doktor” zu Guttenberg parece não haver sido totalmente íntegro nas citações de nota de rodapé em sua tese de Doutorado. Resulta que além do cargo, perdeu também o título de doutor. A queda do ministro da defesa causou relevante comoção por parte dos alemães, que além de dedicado e eficiente, tinham-no adrede como querido e simpático. Entretanto, as interpretações do dolo alemão para com o jovem ministro vão mais além. Zu Guttenberg, além de ser um nobre (o que os seus doze nomes comprovam), é casado com a Duquesa von Bismarck-Schönhausen, ou Stephanie von und zu Guttenberg. “Stephi” é nada mais nada menos do que tataraneta do ex-chanceler Otto von Bismarck. Mais do que ser parente do senhor de capacete com ponteira (Pickelhaube) que unificou o país, Stephanie é também uma nobre. Supõe-se que no fundo do profundo da racionalidade alemã, os cidadãos escorregaram no sabão do desejo de ver ressurgir a perdida corte germânica, com todas suas tramas, conluios e charme. Sobretudo porque até antes do Skandal do plágio, Karl Theodor zu Guttenberg era cotado como o potencial e provável substituto da chanceler Angela Merkel. Mas a plebe acabou perdendo seu rei devido às notas de rodapé, e o reino acabou tomando outro destino.
As catástrofes de Fukushima redirecionaram o pensamento político nacional. Protestos ao longo do país exigem a desativação das usinas nucleares em funcionamento no país, e eventual substituição por energias limpas. Os alemães estão cansados das patetices nucleares e já deram uma resposta rápida nas últimas eleições para “governador” do “Estado” de Baden-Vurtemberga, elegendo Die Grünen (Os Verdes) para encabeçar o novo governo. Essa é uma mudança drástica no Land de Baden-Vurtemberga, a região sulista que apresenta as melhores condições financeiras de toda a República, comandado desde os anos cinqüenta pelos conservadores de Frau Merkel. De pronto, os potros viraram sua cabeça, e alçaram ao poder pela primeira vez em sua história Os Verdes, requisitando que a cartilha ecológica seja por fim posta em prática. Está claro que o “efeito Fukushima” teve impacto marcante neste pleito eleitoral. Além do mais, o GAU de Chernobyl em 1986 marcou na paleta os alemães, que se banharam da chuva radioativa trazida pelas nuvens da Ucrânia, e lhes apavora a ideia de passar pelo mesmo novamente. Aqui também não cabem comparações com o Partido Verde brasileiro, cuja chapa foi formada por uma ecorreligiosa que usa batom de beterraba e um empresário vendedor de cosméticos. Também não digo que Os Verdes alemães são melhores coisa e tal. Diria apenas, que as fronteiras da globalização parecem ser ainda menores em outras partes do globo, e que a internacionalização permitiu que o tema da discussão nuclear viesse a cair à mesa do eleitor germânico, que não perdeu tempo ao optar por mudanças. Mas são análises superficiais. No fim, o cartaz inicial do SPD se encontra mais do que ultrapassado. Hoje, todos falam do tempo (clima).