sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O costelinha e a crise



"10% das pessoas detêm 61% da riqueza (patrimônio) da Alemanha", é o que o alerta o cartaz no pátio da universidade aqui em Münster. O alerta-propaganda é divulgado fortemente em todo o país pelo partido Die Linke (A Esquerda), a quarta força política nacional. O empenho político do Die Linke e de outros partidos de orientação esquerdista na europa, se dá em contra do galopante desmanche do Estado de Bem-Estar Social, tido muitas vezes como exemplo a ser seguido pelos nossos Estados do sul. A questão latente é a seguinte: Por que o governo faz tremendos cortes nos gastos sociais, enquanto fornece ajuda milionária aos bancos?

Fechando hoje uma semana aqui, digo que não há crise na Alemanha. O capital natalino roda a todo gás, o centro está sempre lotado, com as lojas bufando. São tantas sacolas penduras nos braços dessa gente, que nem o Chaves, que é especialista em carregar várias malas ao mesmo tempo, daria conta disso tudo.  

Ontem meu ônibus atolou de novo, acreditam? Atolar não é bem o verbo a ser usado, diria talvez que ele empacou, mas também não dá pra dizer isso, porque o que empaca é mula. Na verdade, o bus roda sem sair do lugar, como se estivesse sobre uma esteira. Cavamos surcos no chão, colocamos folhas de borracha na frente das rodas, empurramos, mas dessa vez não deu. Deve ser uma condição humana, ser herói apenas por um dia. O costelinha, também, ficou latindo e não ajudou patavinas.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Sopa de Ervilhas

Aterrissei em Köln, passei por Bonn, e há quatro dias me encontro em Münster, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, noroeste da Alemanha.
Afirmo que durante o procedimento de aterrissagem do Iberia "jaquirana" Airlines ventava como em Osório, e nem sempre soube em que direção se alinhava a pista. Prendi a vista no teto, e pensei se algum dia veria aquelas máscaras caírem... A questão é que pouco antes de embarcar no botecão (aeroporto Tom Jobim), assissti o FightClub, e me surpreendeu a "tese" do Brad Pitt de que daquelas máscaras, em caso de emergência, sairia um gás que te deixaria loucão, cool. Afinal de contas, sob forte tensão no pájaro gigante, oxigênio não ajudaria bulhufas. 
Mas de ré avião não pousa, menos mal. Pese aos gritos de "piloto inexperiente" de um espanhol histérico, e sob chuva, ventania e raios, chegamos bem (ya estamos, ya estamos, dizia outro espanhol).

Anteontem nevou forte aqui em Münster. A neve, na verdade, é o que embeleza e ilumina o inverno desta terra de amanhecer anoitecido. Aclara a paisagem escura, e pinta aquela atmosfera natalina no país onde o Pai Noel vem para todos. Quase todos. Terça-feira nevou, e foi o caos. Para os alemães, condição climática não os impede de seguir o plano do dia. Nós também seguimos a agenda, preterimos das bicicletas, e decidimos ir de Bus. O trânsito estava tartaruguesco, os autos deslizavam que nem nas estradas de barro lá da Linha Lavina. Lá pela metade do caminho, o bus não descolou mais do cordão da calçada numa das paradas. O motorista ia pra frente e pra trás (e nós também!), girava todo o volante pra esquerda e nichts! Assim ficamos uns quinze minutos até que todos apeamos do ônibus. Não era preciso nem chamar o pai (que sabe tudo de roda) para sacar que o motorista não devia girar TODO o volante pra esquerda, senão que só um pouquinho, de maneira que a máquina avançaria tranquilamente. Eu não me atrevi a dizer nada, o chofer era um daqueles asiáticos do sul, com cara de comunista discípulo de Ho Chi Minh e devorador de arroz. Então, uma teuta ideota resolveu tentar empurrar o ônibus, de lado mesmo, para o meio da pista. Dois rapazes e eu nos assomamos à guria, firmamos as mãos na lateral da lataria do ônibus-sanfona e metemos calandro. Tchê, creiam-me, arremessamos (tá, deslizamos, escorregamos) o bus de quatro eixos para o meio da rua. Me senti um heroi, meio Super Man, meio Homem Codorna. A plateia germânica aplaudiu - afinal de contas, a ordem se restabelecia novamente - e seguimos o curso. (Depois o chofer "cara de ator coadjuvante do Platoon" deixou o ônibus empacar de novo! Daí descemos e fomos a pé).
Por fim, chegamos no Weihnachtsmarkt (Mercado de Natal, típico nessa época do ano) e fomos direto tomar um Glühwein (quentão) e comer Wurst (salsicha), porque empurrar ônibus no primeiro mundo dá muito mais fome do que de costume.

Ontem, ainda que o dia tenha sido ensolarado, as temperaturas se mantiveram negativas. Descobri então mais um prazer nessa vida: sopa de ervilha. Aquela sopa verde, sabrosa, que vendem no mercado por dois euros... empurraria quantos ônibus fossem necessários, empurraria até o teco-teco da Iberia se necessário, sob chuva, comendo neve. Não consigo esquecê-la... Simples e gostosa, como deverá ser a vida.