sábado, 6 de agosto de 2011

Jumpin Jack Flash it´s a Gas! Gas! Gas!


A desproporcionalidade na divisão geográfica e concentração das reservas de petróleo e gás representam um grande desafio nas questões de políticas energéticas de um país. Os grandes consumidores tais como Estados Unidos, Europa e Ásia consomem 66% do petróleo terrestre, mas produzem apenas 8%. Semelhantes são as cifras do gás. Consomem 50% mas disponibilizam apenas 9% no mercado global. Como proceder em vista desta problemática internacional? Influenciar o cartel da OPEP, ou atacar alguma republiqueta com potencial em energia? Bem, as potências fazem ambas as coisas.
Para a Ucrânia, o gás é a fonte energética de maior e vital importância. São tantos canos e tubulações de gás que preenchem a paisagem nacional, que se crescessem alguns cogumelos, daqueles grandes, vermelhos e com bolinhas brancas, diria que estamos num game do Super Mario World. Grande parte da indústria e dos transportes viários também funciona a gás. Até o “mikra-avtobus” que conduz o povo às suas casas roda a gás. No início dava medo andar neste ônibus, porque além de jurássicos, possuem os cilindros expostos, quatro em cima, na capota, e um embaixo, atrás das rodas traseiras. Mas o índio se acostuma, diz o missioneiro. Basta um pequeno trabalho mental e racionalização de que as coisas não explodem assim com tanta facilidade. É barbada.
A Ucrânia também demanda mais gás do que produz – é o sexto maior consumidor do mundo -, e é aqui que começa sua novelinha com a madre Rússia. Descontente com a postura política do governo ucraniano, principalmente em relação ao conflito russo com a Geórgia, o Kremlin elevou consideravelmente os preços do gás vendido à Ucrânia, "atirando o gato entre as pombas". A Ucrânia responde com ameaças de aumento dos impostos sobre os pipelines russos que cortam o território ucraniano direção à Europa central, o cliente máster. Esse conflito deixa claro que a Rússia, devido à sua postura, ainda não “aceitou” a independência ucraniana. “Para nós, perder a Ucrânia seria como perder nossa cabeça”, afirmou Lênin em 1918. Presa às suas debilidades no campo da segurança energética, à Ucrânia lhe resta tentar “manter a cabeça fora da água”, e tentar manter pelo menos a panca de nação soberana.
 
A última cidade da Ucrânia que visitei foi L’viv. Que é também a mais linda. Lá, sentado na praça central, em frente ao chafariz, levei um dos maiores sustos desta vida. Enquanto lia meu guia, ouço um grunhido inconfundível a meio metro de mim. Da, um porco. E o segundo susto é que o porquinho, malhado, estava atado pela coleira. Um porco doméstico, citadino, a passeio com sua dona pelo centro lotado de L’viv. Eita.
Deixo a Ucrânia de ônibus, pela borda oeste do país. Da janela do ônibus vejo pura pampa, casebres, e poucas pessoas. O país é opaco, e se apaga aos poucos. A uns poucos quilômetros da fronteira polaca, capilarizando-se com a UE, percebo o gado amontoado, oito ou dez cabeças. E entre elas, três jovens, deitados de bruços, dormindo entre os ruminantes. Vacas, gases, metano... A sociedade moderna faz um mal à camada de ozônio...  
But it´s all right now, in fact it´s a gas!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O casório do Ladislau.


Encontramo-nos em Lutsk, no oste da Ucrânia. Estamos cansados, sujos e com fome. Atravessamos o país de leste a oeste num espaço de doze horas, por estradas maceradas e infestadas de milicianos rodoviários, que se escondem atrás das árvores com pistolinhas de controle de velocidade, antiguíssimas, parecidas àquela que o Ultraman dispunha. Somos cinco à mesa. Os outros quatro são o Nikolai, que nos acompanha desde Kharkov, o reverendo, o pastor Andrei, que é quem nos recebe, e seu filho Estanislau. O pastor Andrei preparou uma sopa para a nossa chegada. Sopa ucraniana. Uma panela de água com gordura, fios de repolho, alguns ossos de porco e um ovo. Para enriquecer o cardápio, o Nikolai puxa uma sacolinha repleta de sanduíches amassados acompanhados por cinco ovos cozidos e frios. E o pior, nos oferece. O pastor Andrei não logra sustentar os filhos apenas com o miserável soldo de pastor, e por isso, tenta alcançar um plus com seus trabalhos de artesanato em palha. Ele pertenceu por anos à divisão de pára-quedistas do exército vermelho estacionada na Bielorússia. Lá viveu os melhores bacanais, conta, regados com uma bebida pouco comum, álcool anticongelante, que os soldados retiravam dos motores dos caças soviéticos após os exercícios aéreos realizados sob temperaturas negativas. Rock and Roll.
Mas o reverendo e eu temos um motivo maior de estar aqui na região de Wolynien. No século 18, uma alemã foi coroada imperadora da Rússia. Catarina, a Grande, apoiada pelo marido Pedro, o czar, promoveu a migração de conterrâneos seus para dentro das fronteiras do império. Naquele então, os alemães dominavam muito bem as técnicas do arado e da criação de gado, enquanto que os russos lidavam na terra com técnicas menos desenvolvidas. Tentados pelas regalias oferecidas pela nova imperadora, levas de alemães emigraram a fim de tentar a vida neste novo país. O trabalhador alemão serviria não somente para aumentar a produção imperial, mas principalmente para servir de exemplo e influenciar o “indisciplinado” povo russo, arquitetava a imperadora. E foi num desses movimentos humanos promovidos pela Catarina que um cara chamado Vladislaw Steinbrenner, meu tataravô, foi parar lá, no Império Russo. Dos documentos restantes, guarda o reverendo a certidão de casamento do tata Ladislau (aportugesando), que aponta a cidade onde ele se uniu à sua Natália. Abandonada no extremo oeste da Ucrânia, Wolodymyr Wolynskyj (Wladimir Wolinsk em alemão) fica a uns poucos quilômetros da Polônia. A cidade, assim como toda a região, já foi dominada por todas as antigas potências do entorno: Império Russo, Império Austro-Húngaro, Polônia, Alemanha Nazi, e por último, União Soviética. Difícil conceber como era a região no período do tata, marcas de imigração alemã não existem, a última grande guerra afugentou, deportou ou aniquilou todos. Resta na pequena praça - como em todas as praças - um que outro monumento realista soviético e um obelisco em memória ao soldado caído.    
Em meio aos restos soviéticos de Wolodymyr Wolynskj encontramos uma bonita igreja de tijolos à vista, que segundo indicações, poderia ser a antiga igreja luterana onde casara o Vladislaw. E era. O reverendo se emocionou. Eu também. E o Nikolai, como de praxe, acendeu um pito. Oferendamos nosso silêncio e demos início ao culto aos antepassados, que é do que se tratam em grande parte as religiões. Estávamos de frente ao templo que abrigou um acontecimento crucial na saga da família, que evitou que aquela foto do De volta para o futuro (Michael J. Fox) desbotasse. A boda, o coito, a prole, a migração para América Latina e os seus conseqüentes sucessos.
Abrimos a grande porta de madeira da igreja e nos deparamos com um padre e três freiras imaculadas. A construção agora pertence à igreja católica do rito grego, não é mais luterana. Não existem mais luteranos lá. Por dentro abundam imagens, ícones, velas e adornos dourados. É mais ou menos como uma mulher maquiada em excesso. Completamente embonecada. Nosso templo e antepassados foram difamados, pensei. Isso não pode ficar assim. Nikolai, reverendo e eu formamos uma pequena, porém efetiva brigada luterana, capaz de superar o inimigo, que se compunha de quatro pessoas com saia, e retomar o templo sagrado com facilidade. O reverendo acelera o trote e avança na direção do padre com a mão direita no bolso. Eu monto a retaguarda ao lado da tina de água benta, e o Nikolai, com pinta de cruzado, acende mais um cigarro fino no alpendre da igreja. O reverendo se aproxima do padre, saca do bolso não a adaga, mas a mão aberta, e cumprimenta o outro.  Com uma diplomacia carregada de falso ecumenismo, começam a prosear sobre a história, que é esse livrinho tendencioso que as pessoas interpretam como lhes convêm. Não há mais nada que ver aqui. Recolhemos as lanças e fomos embora. Optamos por não começar outra guerra, disso a Ucrânia está cansada.